Os silêncios
José dorme, é verdade, mas está simultaneamente disposto a ouvir a voz do anjo (Mt 2,13ss). Parece depreender-se da cena o que o Cântico dos Cânticos tinha proclamado: eu dormia, mas o meu coração estava vigilante (Ct 5,2). Os sentidos exteriores repousam, mas o fundo da alma pode ser tocado. Nessa tenda aberta temos a representação do homem que, desde o mais profundo do seu ser, pode ouvir o que vibra no seu interior ou lhe é dito desde as alturas, do homem cujo coração está suficientemente aberto para receber aquilo que o Deus vivo e o seu anjo lhe querem comunicar. Nessa profundidade, a alma de qualquer homem pode encontrar-se com Deus. Nessa profundidade, Deus fala a cada um de nós e mostra-nos como está próximo.
Contudo, na maior parte das vezes encontramo-nos invadidos por cuidados, inquietações, expectativas e desejos de toda a espécie, tão repletos de imagens e carências produzidas pela vida de cada dia, que, por muito que vigiemos exteriormente, é-nos pedida a vigilância interior e, com ela, o som das vozes que nos falam desde o mais íntimo da alma. Esta está tão sobrecarregada e são tantas as muralhas erguidas no seu interior, que a voz suave do Deus próximo não consegue fazer-se ouvir.
Com a chegada da Idade Moderna, os homens têm vindo a dominar cada vez mais o mundo e a dispor das coisas à medida dos seus desejos; mas estes avanços no nosso domínio sobre as coisas, e no conhecimento do que com elas podemos fazer, limitaram, por outro lado, a nossa sensibilidade, de tal maneira que o nosso universo se tornou unidimensional. Estamos dominados pelas nossas coisas, por todos os objetos que as nossas mãos alcançam, e que servem de instrumentos para produzir outros objetos. No fundo, não vemos outra coisa senão a nossa própria imagem, e estamos incapacitados para ouvir a voz profunda que, desde a Criação, nos fala também hoje da bondade e da beleza de Deus.
Esse José que dorme, mas que ao mesmo tempo está preparado para ouvir o que ecoe no seu íntimo e desde o alto - porque não é outra coisa o que o Evangelho deste dia acaba de nos dizer -, é o homem em que se unem o recolhimento íntimo e a prontidão. A partir da tenda aberta da sua vida, convida a retirarmo-nos um pouco do bulício dos sentidos; para que recuperemos também nós o recolhimento; para que saibamos dirigir o olhar para o interior e para o alto, para que Deus possa tocar a nossa alma e comunicar-lhe a sua palavra. A Quaresma é um tempo especialmente adequado para nos afastarmos das vicissitudes quotidianas, e dirigirmos novamente os nossos passos pelos caminhos do interior".
Fonte: http://www.snpcultura.org/sao_jose_bento_xvi_e_imagem_barroca_portuguesa.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário